quarta-feira, janeiro 17, 2007

CARTAS DO INFERNO I




CARTAS DO INFERNO I




Mamãe Alba.



Quando a noite chegou trazia um vento frio e cortante. Por volta das dezenove horas já a noite se fechava, apresentando um céu despido de estrelas. No ar, uma umidade sentida em cada plano tocável embalsamava o material e imaterial de cada homem e de cada sentimento.

Noite enunciável...

Existem sensações premonitórias e inexplicáveis, que têm a qualidade de preparar o ser humano para fatos e circunstâncias inesperados e, normalmente, insuportáveis.

Houve premonição coletiva, que outra forma definirei?, a partir das dezenove horas até às vinte e uma horas, quando a tensão chegou ao auge e se corporificou, bizarra e inumanamente, numa explosão de ódios, medos e fúria, numa canção de sangue.

Agora os ponteiros do relógio que carrego acusam que quarenta e oito minutos se escoaram, desde as vinte e uma horas, e, no silêncio anormal que envolve o prédio (um mundo à parte do mundo), procuro pensar que o amor existe, e existe a paz, a felicidade, a ternura e a compreensão.

(Seria tão fácil para o homem viver em um mundo de amor. As horas registrariam na mente momentos de felicidade, a felicidade geraria sorrisos, os sorrisos constituiriam a compreensão que engrandeceria o diálogo da Vida que existe em nós).

Estou um pouco cinzento devido a certos acontecimentos que se desenvolveram, envolvendo homens que aqui se encontram. Por mais que o tempo tenha passado, por mais que meus olhos tenham testemunhado fatos semelhantes, para mim será sempre uma novidade que encerrará uma dor e uma decepção.

Meu conforto é saber que existem pessoas assim como a senhora e outros que sei existirem, de alma assim, igual.

Amanhã espero que o céu amanheça muito azul; que meus pombos não deixem de revoar em bando; que as flores floresçam com maior intensidade de cor e perfume; que os acordos de paz superem as guerras; que o sol elimine as sombras; que a criança abandonada encontre um novo lar; que os hospitais fiquem mais vazios; que a delinqüência feneça; que o amor entre os homens se propague sem distinção de raça, credo ou partido... e que, sobretudo, a existência dos C.... F... não seja apenas um sonho meu.

Mamãe, aproveito e envio esta poesia de Giuseppe Ghiaroni, “
Dia das Mães”, que ofereço à senhora, com meu muito, mas muito carinho mesmo.

Beijos para todos.

Para a senhora, um beijo especial, com meu carinho e minha saudade.

Do seu filho,

Eu.


Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1977.


Foto: Almada Negreiros, maternidade, 1935


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