quinta-feira, fevereiro 22, 2007

OS MUROS DE NOSSA DACHAU


OS MUROS DE NOSSA DACHAU




por Paulo da Vida Athos*


“Que teríamos feito sem os juristas alemães? Desde 1923, percorri na legalidade e lealdade o longo caminho que conduz ao poder. Coberto juridicamente, eleito pela democracia. Mas o futuro ainda precisava ser realizado. Foi o incorruptível jurista germânico, o honesto, o escrupuloso universitário e cidadão, que terminou minha legalização, fazendo a triagem de minhas idéias. Ele criou uma lei de meu agrado, a ela me apeguei. Suas idéias fundaram minha atividade no direito” (Hitler, in H.J. Syberberg, Hitler, Ein Film ais Deutschland).

Quando se trata de crimes hediondos, nunca me refiro a casos isolados. Quando se trata de Lei, sempre olho com a cautela dos tempos vividos, com os plhos da Humanidade. Leis atingem a todos, como princípio; a Lei Penal atinge aos pobres, como regra.

O caso do Rio, do menino arrastado por assaltantes, ou as quatro chacinas ocorridas em São Paulo somente esse ano de 2007, guardam em si o mesmo desvalor e hediondez. Sendo que as chacinas não são isoladas nem são comentadas mais que um dia, vez que se tornaram banais e parte da sociedade até as apóia. Essa é a única diferença. Não a hediondez, que para mim ambos os casos são hediondos e repulsivos, mas o cinismo social e o papel desempenhado pela mídia.

Sempre falo da regra. Ciência, como se sabe, trabalha com a regra.

Minhas opiniões não são minhas, são de áreas científicas.

O fato de se poder amar ou não, compreender ou não, aceitar ou não, se omitir ou não, pregar pala severidade de penas ou não, isso é opinião pessoal e com elas não trabalho, nem mesmo discuto, se não for no forum próprio e com pesoas afeitas á área.

Não me refiro em minhas digas em "amor ou compaixão" pelos excluídos. Exijo, isso sim, em cada frase e em cada linha, Justiça Social. Isso e disso apenas posso ser acusado.

Quanto ao amor e compaixão, deixo para os mais iluminados e que não tenham tantos defeitos quanto eu.

Não pego a bandeira do amor e da compaixão para lutar por justiça social ou para defender aqueles que são a clientela pré-escolhida da criminalidade violenta, das chacinas ou do sistema repressivo ou penal.

Como se sabe, não pode haver caminho mais direto para o crime do que a supressão da dignidade e da cidadania. Nossas ruas são salas lotadas de alunos na fase pré-escolar do crime. Que tal matar essa criançada, como pregam alguns, alguns já executam, e grande parte da sociedade em seu cinismo congênito aplaude? Pelo menos adiantaria o serviço sujo e eles não cresceriam e se tornariam mais perigosos, pois não passariam pelos gulags, nossas casas de custódia para menores. Creio que essa é a razão da não reação social e do silêncio cúmplice e antiético da mídia.

Há um silêncio sepulcral diante da chacina de nossos jovens pobres, sejam negros, brancos ou amarelos. Na periferia e nas favelas de nossos grandes centros urbanos um holocausto está em andamento. Temos nosso Dachau sem muros visíveis, mas tão cruel, seletivo e silencioso quanto lá. Não tivemos a nossa “Noite dos Cristais”. Na verdade temos uma aurora boreal de chumbo, aonde o dia nunca chega e a noite nunca começa e é nesse espaço de tempo que ocorrem as chacinas nossas de cada dia. Quando se fala alguma coisa é em razão da morte de alguém que não pertence aos nossos guetos, como se a morte brutal de crianças tenha diferença em razão de sua classe social. Por isso crianças são mortas nos confrontos entre a polícia e traficantes nas invasões das favelas do Rio de Janeiro e a mídia nem publica mais. Ou dá uma notinha de roda-pé.

Para mim a hediondez da morte de uma criança da favela não difere da morte daquela que vivia no asfalto. Criança é criança. E a boçalidade é sempre adulta...

Comovente alguns pedirem que a pena mínima saia dos trinta anos e vá para a casa dos sessenta anos no Brasil. Como a idade média foi para a casa dos setenta e o condenado tem sempre mais que dezoito anos, é uma pena de morte que não agride a consciência de alguns. Talvez os mesmos que não têm a consciência atingida com o extermínio dos excluídos, com as crianças abandonadas pelas ruas, essas mesmas crianças para quem amanhã, já adultas, a sociedade estará pedindo pena de morte por enforcamento em praça pública. Aliás, a mesma turma que pede a diminuição da idade para a imputação penal, enquanto saboreiam ostras ou escargots, com um bom vinho francês.

Tomo a bandeira do Direito, da Sociologia, apenas da Ciência me muno e me valho.

Principalmente me conduz nessa marcha: a História.

Para essa luta, não uso em vão o nome de Deus.


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