sábado, fevereiro 18, 2006

Rio de Janeiro, à mercê do escuro...


por  Paulo da Vida Athos.

Exceto se crermos que houve uma conspiração geral que deliberadamente permitiu o confronto entre traficantes da Rocinha e traficantes invasores, para que se matassem, conspiração essa que envolveu todas as áreas e níveis do sistema de segurança, o que nos lançaria no caos, temos que concluir que na verdade não temos uma política pública de segurança no Estado.

Segundo se noticiou, a invasão era de conhecimento era de conhecimento da Secretaria de Segurança, do comando da PM, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e da 15 DP (Gávea).

O subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança, coronel Romeu Antonio Ferreira teria dito que na sexta-feira dia 10de fevereiro ligou para o coronel Pitta, chefe do Serviço Reservado da PM (PM-2) no QG da corporação, informando que traficantes de várias favelas planejavam invadir a Rocinha antes do carnaval. A informação foi repassada ao 23 BPM (Leblon) e a todas as unidades operacionais da PM, como os batalhões de Choque e de Operações Especiais.

O comandante-geral da PM, coronel Hudson de Aguiar,disse que, na mesma data a PMERJ foi informada, pela Subsecretaria de Inteligência, de que poderia estar sendo articulada uma tentativa de invasão da Rocinha antes do carnaval, e que disso teve conhecimento o coronel Hudson, o comandante do 23 BPM, Norberto Mendes, decidiu reforçar o patrulhamento nos acessos à favela.

A Subsecretaria de Segurança e Inteligência (SSI) recebeu em 3 de fevereiro da Secretaria de Administração Penitenciária informações sobre o ataque à Rocinha, e que os invasores usariam como base as favelas do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo. Informação conseguida graças à gravação de uma conversa telefônica do chefe do tráfico do Pavão-Pavãozinho preso em Bangu III. O subsecretário de Inteligência, Romeu Antônio Ferreira, confirmou ter repassado a informação aos serviços de inteligência das polícias Civil e Militar.

Segundo o ilustre secretário de Segurança Marcelo Itagiba, não teria havido falha ou desinformação entre os setores da segurança pública vez que a PM agira “corretamente ao limitar-se a manter o cerco à favela, evitando o confronto direto com os traficantes, que se enfrentaram por três horas, deixando às escuras grande parte da comunidade e da Gávea”. Se a ação dos criminosos fosse em um bairro da zona sul do Rio, mesmo às escuras, iriam aguardar a alvorada para agir? A tropa tem medo do escuro, senhor secretário?

Não se pode levar a sério tais declarações. Exceto se crermos em uma conspiração. Falha não houve na informação: houve apenas na execução preventiva e ostensiva policial. Fica claro que todo mundo sabia de tudo. Quanto a manter cerco na favela, esperando o dia raiar, enquanto traficantes matam inocentes? Ora, qualquer pessoa medianamente inteligente, sem ter qualquer curso ou profissionalização em segurança e estratégia, sabe que o cerco deveria ter ocorrido antes dos invasores chegarem à Rocinha e de preferência no local em que estavam reunidos antes de atravessarem a cidade para invadir outra favela. Isso é óbvio.

Sabemos que esse discurso é aquele blá blá blá de sempre: -“Não podemos invadir pois colocaremos a vida de inocentes em risco”. Conversa fiada. Nunca se importaram em atirar com fuzis entre becos de favelas. Contem as vítimas das invasões policiais contra os nossos guetos ao longo dessa última década. Crianças e trabalhadores morrem ou são feridos costumeiramente. Até defunto no caixão já encontrou bala perdida no Rio de Janeiro. E nesse caso específico, mesmo quem é contra invasões policiais em favelas, como eu, entenderia a necessidade de assim agir.

Não era caso de esperar o dia raiar. Não era caso de esperar a invasão ocorrer para depois “a manter o cerco à favela, evitando o confronto direto com os traficantes”. Tinha que ter agido antes da invasão. Sabiam onde estavam reunidos os invasores, sabiam que invadiriam antes do carnaval. Ou então: que se cercasse a Rocinha: mas antes da invasão. Quem chegasse, a polícia agiria com inteligência, e os prenderia. Seria pedir muito pedir que a polícia agisse com inteligência? Mas ocorreu o inverso. Permitiram a barbárie.

Agora, vem a mídia e setores de da própria secretaria de segurança pública tentar crucificar o delegado Marcos Alexandre Reimão. Pois bateram na porta errada.

Para quem não sabe e para quem esqueceu, o delegado Marcos Reimão foi quem acabou praticamente com os seqüestros no Rio de Janeiro. Crime que atingia, por sua característica e objetivo, a classe favorecida.

O número de casos de seqüestros na década de 90 no Rio de janeiro era estratosférico. Segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Subsecretaria de Planejamento Operacional., Publicado no Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro de 1998), tínhamos o seguinte quadro: seqüestros 1990 (91), 1991 (91), 1992 (124), 1993 (64), 1994 (90), 1995 (122), 1996 (68), 1997 (59), 1998 (18).

É quando surge o Dr. Reimão à frente da DAS (Divisão Anti Seqüestros) em novembro de 1997. Com o slogan que ficou conhecido no meio policial e no submundo do crime, “É DAS ou desce”, cunhado por Reimão, praticamente se extinguiu até hoje o crime de seqüestro no Rio de Janeiro.

O Dr. Reimão é um policial sério, sem rabo-preso. Não é daqueles delegados de gabinete que mandam seus homens irem ao campo de batalha e fica no pijama. É homem de levantar de madrugada e chamar a equipe toda que se apresenta inteira e íntegra, a qualquer hora do dia ou da noite para combater qualquer combate. Tendo o Dr. Reimão á frente, o CORE tem sido o único órgão que trabalha para a cidade e não para aparecer na mídia. Se aparece, é em função do trabalho que executa. Quem acompanha a crônica policial sabe disso.

Não a toa o Dr. Reimão é tão admirado e amado por seus comandados quanto odiado por aqueles que dele sentem inveja. Agora, a mesma mídia que o enalteceu o responsabiliza, por essa falha gritante no caso da invasão á Rocinha. Creio que aí existe uma conspiração sim, mas contra o Dr. Reimão.

Mas ele é uma reserva moral da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Um homem íntegro, incorruptível e líder. Um homem de bem e do bem. Não sou um amigo a defender outro. Aliás, muito provavelmente ele nem sabe quem sou. Mas eu sei quem ele é e o que é para seus companheiros de combate e para a sociedade. Pudesse escolher: seria ele o Secretário de Segurança, não fosse a cisão histórica entre a policia civil e militar.

Não posso calar diante das insinuações contra o CORE e seu comandante. Se houve uma falha e se essa falha não foi uma conspiração para que traficantes se matassem (mas tudo saiu do controle e inocentes foram as grandes vítimas), foi uma falha geral. Normal nos setores de segurança pública carioca, que nunca primaram pela inteligência.

Resumindo, nem o ilustre senhor Secretário de Segurança, nem ninguém pode cobrar coisa alguma do Dr. Reimão, sem antes cobrar de si próprio.

Quando se acabou com os seqüestros que atingiam nossas elites, trabalhou-se com inteligência e tecnologia. Como o tráfico até aqui atingia os desvalidos, e como isso está mudando e aos poucos já ganhou os contornos de uma guerra civil, descendo os morros, saindo dos guetos, ganhando as ruas da zona sul, ecoando por toda a cidade, pode ser que as coisas mudem.

Pode ser que casos como esses não mais se repitam, que a polícia policie, que as informações sejam aproveitadas, que o poder público não abandone à própria sorte os despossuídos, que as elites abram mão de parte de suas posses em favor dos desvalidos.

Torço para que se estabeleça um marco para o implemento de justiça social.

E, principalmente, que nossa polícia perca o medo do escuro...

Ecos da Jovelina no lamento da Rocinha


por Paulo da Vida Athos

Quando em meados de 1988, apadrinhado por Denis da Rocinha (Denis Leandro da Silva) que se encontrava preso, Ednaldo de Souza, o Naldo, para anunciar seu reinado do alto de uma laje de uma das casas, com desassombro desferiu uma rajada para ao ar com a “Jovelina”, sua HK-47, o Rio de Janeiro de então ficou surpreso. Na foto, onde também surgia uma submetralhadora Uzi, estavam: Naldo, Buzunga (Robson da Silva) e Cassiano (Cassiano Barbosa da Silva) para uma pose diante dos fotógrafos. Afinal, para aquele ato Naldo convocara toda a imprensa policial pois queria deixar claro que não havia cisão entre eles. A cerimônia de posse se deu na Via Ápia, e a imprensa, convidada, se fez presente. Essa foto correu o mundo. Hoje, todos os mencionados estão mortos. No passado, em algum momento na trágica crônica da Rocinha, todos foram donos dela. E o Rio de Janeiro de hoje, certamente, nem se abalaria com tal ato

Depois deles, dezenas de donos por lá passaram. Os três últimos que temos mais claramente na memória são: Dudu, Lulu e Bem-te-vi.

Ao longo desses dezessete anos a Rocinha testemunhou, e não pela vontade de seus moradores honestos, a evolução bélica do crime pseudo-organizado que aposentou a Uzi, revólveres obsoletos, dando preferência, para garantir o território, aos fuzis e armamentos mais sofisticados, e munição que vai da bala traçante (que deixa um rastro fúnebre de luz no céu das noites e madrugadas cariocas) a outras que atravessam facilmente as paredes de alvenaria de qualquer casa comum.

A sociedade, da qual faz parte as pessoas honestas da Rocinha, ficou a mercê do crime.

Bom lembrar aos incautos que mais de 99% dos moradores de qualquer favela, que alguns gostam de sofismar chamando-as de comunidades, são trabalhadores, pessoas de bem, nem mais nem menos dignos que aqueles que moram nas zonas mais favorecidas da cidade. A única diferença: moram nos guetos e neles não há a presença do Estado. Mas essa única diferença é mais que fundamental, é vital.

Nos guetos não prevalece a força do direito, mas o direito da força. E lá quem tem a força não é mais o Estado, faz décadas.

Mas quando o Estado se faz presente: é para matar. Ou deixar matar por omissão que, no caso, fosse o estado uma pessoa física responderia por homicídio comissivo por omissão (seja, responderia como se houvesse apertado o gatilho já que tinha o dever legal de agir, de impedir o resultado). Pelas primeiras informações não havia policiamento em um local que está, sabidamente, em estado de guerra entre traficantes. Isso caracterizaria a comissividade estatal.

A Polícia Militar tem um balanço sobre a invasão da noite de ontem. Nove pessoas foram presas, sendo quatro entre a noite e a madrugada e cinco no início desta manhã. Seis pessoas morreram durante a invasão, entre elas o estudante Diego de Araújo Lima, de 14 anos. Os outros cinco corpos foram encontrados na favela nesta manhã.

Segundo os moradores, pelo menos três deles seriam trabalhadores e moravam na Rocinha. Seis moradores ficaram feridos durante a ação: Francisco Plínio, de 13 anos, baleado na coxa esquerda, Leandro Alves Ferreira, de 19, baleado nas nádegas, Alexandre da Silva, de 26, ferido por estilhaços, Joelma da Siva, de 33 anos, ferida a coronhadas, uma pessoa atropelada e uma criança ainda sem identificação.

Entre o fogo dos quadrilheiros do tráfico e da polícia, está o povo. Se nós olhássemos o povo da Rocinha como deveria ser, como parte do Povo do qual fazemos parte, talvez a realidade fosse um pouco diferente. Mas não os olhamos como um de nós.

Há um cinismo hipócrita em que a sociedade carioca se banhou tanto que já nem sente. Não se compadece, não se espanta, não fica indignada diante da morte de uma criança atravessada pela bala de um fuzil, não toma as ruas ao tomar conhecimento que o corpo de mais uma mãe ou um pai encontrou outra bala perdida. Não demora e veremos mais um daqueles conhecidos abraços coletivos que a imprensa irá registrar para, logo depois, cair no esquecimento em razão de sua própria ineficácia.

O beatiful people ainda não caiu na real. Não percebeu que a guerra civil não declarada já é uma realidade que deixou de cantar na praça e está cantando e na porta de casa. Iludidamente, quando a chapa esquenta, a primeira coisa que pede é a presença das Forças Armadas nas ruas, ou leis ainda mais hediondas do que já conseguiram junto aos nossos incompetentes legisladores (ainda mais em anos eleitoreiros como esse), como se tal ou qual estupidez fosse resolver alguma coisa. Aí, um abraço para o abraço solidário.

Já passou da hora de se despertar que não será com helicópteros e fuzis, com invasões de nossos guetos, com leis cada vez mais severas, com prisões superlotadas, com o sangue de inocentes, com mais cadáveres enfim, que estaremos caminhando para uma solução de paz. Já passou do tempo de se reconhecer que nosso silêncio conivente alicerçou a espoliação da maioria em favor de alguns.

Não haverá paz sem justiça social.

Os bizarros contrastes econômicos e sociais que testemunhamos, não se iludam, alimentaram-se de nosso anacrônico comodismo. Diante de nossa omissão e permissividade, por historicamente não cobrarmos de quem elegemos políticas públicas eficazes, chegamos a essa esquina do tempo escura e perigosa. Minimamente almoçar e jantar deveria ser um direito exercido por todos, mas nem isso temos. Aliás, longe disso estamos. Não há necessariamente uma ligação entre pobreza e crime. Mas no Brasil, indubitavelmente a degenerescência teve origem em nossos descaso com relação á maioria.

Isso é fato.

Ao aceitarmos o que ocorria e ocorre em nossos guetos, permitimos com que essa realidade chegasse ao patamar que chegou. Não ligávamos se lá a lei era ou não era respeitada, se a polícia invadia ou não suas moradias, se inocentes estavam ou não morrendo, se seus moradores tinham ou não acesso a escola, hospitais e segurança pública.

Desde ontem, seis pessoas morreram. Há quase duas décadas Naldo deu aquela rajada com sua "Jovelina". Desde Naldo aos dias de hoje, tudo só se agravou até sair do controle. Agora, mesmo passando da hora, é hora de nos despirmos do cinismo e cobrarmos de nossas autoridades, é hora de escolher como quem cata grãos da vida, em quem depositaremos nossos votos na próxima eleição.

Está na hora de recusarmos toda a lavagem cerebral que nos entorpeceu de cinismo, através de nossa indignação repetida e diária contra o esbulho que até então consentimos contra os desvalidos. Descartemos com veemência tudo que se prega de violento para acabar com a violência.

Não se apaga a luz para ver o escuro.

Não será com mais penas, mais fuzis e mais cadáveres que pavimentaremos a paz social que o Brasil e o povo carioca e paulista, de forma especial, sonham. Se apostarmos em outra coisa que não seja justiça social, continuaremos alimentando o nosso apartheid e nossa guerra civil.


It was not an act of war in Lebanon

It was not an act of war in Lebanon. It was not an act of war, it was a terrorist act, a terrorist action that Israel carried out against Le...