quinta-feira, abril 06, 2023

Memória e verdade, inegociáveis


Memória e Verdade, inegociáveis.


Uma a uma vão se apagando as lembranças,

como se habitasse a vida o esquecimento,

e da terra evaporasse o sangue,

e do éter os gritos dos nossos mortos.


Porque esse silêncio? 

Porquê esse descaso?

Por onde andará minha criança?


Eu quero saber!  

Preciso saber para viver,

pois não saber é viver a morte.


Não aceitarei o desatino dessa incerteza,

pelo menos, não calado!

Se o destino é parado, 

que espere, estou chegando.


Que se calem as gentes,

o Estado e os quartéis;

que parem as rotativas,

ou que continuem triturando

a verdade e a história,

semeando mentiras.


Que se cale a consciência

dos carrascos, 

que continue calada a legião dos omissos;

que se fartem,

com o silenciar dos ais

que habitam os porões;

que esqueçam o balé 

de meninos com dragões;

que se satisfaçam

com o silêncio dos canhões!


Mas, não eu! Não calarei!


Não darei aos algozes

o prazer da rendição,

que mais que isso

é conivência,

é silêncio de covarde,

e, como ele,

deve ficar insepulto,

vísceras expostas

sob a luz da verdade!


Não terão  silêncios!

De mim não terão silêncios!

Não tenho silêncios!


Meus silêncios são habitados

por gritos de dor e clamor de vingança.


Não quero justiça!

Nunca teremos justiça.

Quero vingança!


Vingança é a justiça dos que tombam em combate.


O resto é missa e não creio em deus,

nem em padres, pastores ou diabos.


Creio na liberdade

e por ela tombei

e vi tombarem,

por ela matei

e vi torturarem.


Creio no chão em que piso,

na terra que produz, 

e na exploração humana.


Creio no que vi, vejo e sinto,

e sinto que não posso parar,

que preciso gritar.


Por cada um que perdeu a voz,

por cada um que perdeu a vida,

por cada ser torturado,

por cada pessoa desaparecida,

e por cada mulher e cada homem,

que ficaram órfãos de seus filhos.


Não calarei e cavalgarei

meu grito de morte,

meu canto de guerra, 

e, com meu santo guerreiro,

buscarei...

no fundo do mar,

debaixo das pedras,

nos buracos das selvas,

sob o véu da omissão,

nos fornos das fábricas,

debaixo das pontes,

no fundo dos lagos,

nos leitos dos rios,

nas lembranças perdidas,

nos arquivos dos quartéis:

até encontrar o último desaparecido,

dos campos ou das cidades.


Enquanto não for encontrado,

não haverá justiça com o passado.


Muito menos, memória e verdade!


Por Paulo da Vida Athos

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