terça-feira, novembro 10, 2009


CARTA A NICOLINO CUPELLO.



Lino, hoje é dia de manhã nublada.

Amanheceu assim o céu do Rio de Janeiro. Durante a noite choveu, espantando os dias azuis de calor que já estavam aborrecendo o verde e as flores.

Hoje não poderia ser diferente. É a primeira vez que, para espanto da Vida, você não está.

Nem os pardais que invadem minha cozinha e enchem o ar com sua alegria, tiveram vontade de fazer algazarra.

Há um ar de desencanto e de saudade em toda parte, eu sinto. Há qualquer coisa pungente que mexe com a gente, que desarmoniza as horas, que desenha uma lágrima em nós.

Sei que é justamente isso que você não gostaria. Mas fica difícil, meu irmão.

Difícil imaginar um mundo despido de sua alegria , de seu amor, de sua voz.

Você chegou a minha vida da mesma forma que na da maioria das pessoas que conheceu: pelos braços da Música. Ela veio junta e, como a Vida também me ama, mandou que você me trouxesse um grande amor. Meu grande amor.

Lembro bem a data, 29 de outubro de 1976. Havia muita música no ar naquele dia, era um festival de canções.

Com o grande amor que veio com você, tive mais dois grandes amores: Juliana e Pedro.

Os anos foram passando. Muitos foram nossos momentos juntos: e invariavelmente com a presença dela, da Música, que sempre foi o grande amor de sua vida e o presente sempre presente com que você nos brindava.

Pois é, meu irmão, é mesmo da porra falar de você usando o pretérito.

Mas é o trem da Vida que, um dia conversando, falei pra você que não parava nas estações. Não para mesmo. E fico muito puto em ocasiões como essa.

Não fui ao seu velório, não vou ver cremarem seu corpo, não vou a nenhuma dessas missas que reúnem pessoas de tempos em tempos, essas ocasiões em que o defunto está lá e a maioria dos presentes nem tão presentes assim...

Aprendi com o Zelão, companheiro de algumas passagens, que velório bom é de inimigo. De quem se ama, não se vai.

Poderia ir, ouvir conversa fiada, aquelas bobagens de sempre, expor minha lágrima, chorar publicamente minha saudade e a dor que todos os que te amam estão sentindo.

Mas isso é coisa de quem tem sangue italiano como você (que nem pode usar seu passaporte vinho que Juliana conseguiu ao correr atrás de sua cidadania). Pois é meu irmão, pior é que nem na Itália você pode ir, seu grande sonho.

Agora pode, tem passaporte de alma, concedido por Deus em seu desembarque de ontem.

Todos estão como você estaria nesse momento se perdesse um de nós: italianamente emocionados e incontidos. Todos choram em dor exposta. Todos te amam.

Também te amo. Te amo muito, e você sabe, sempre soube. Mas tenho sangue judeu.

Prefiro colocar seu disco e escutar você cantar para mim, só para mim, o Sole Mio, e permitir minha lembrança deixar minha alma encontrá-lo para mais uma canção...

Até , meu irmão.

Um beijo.

Paulo.

Rio de Janeiro, 9 de novembro de 2009.

Ps. Uma semana antes você pediu para gravar a música do Gonzaguinha, para você. Gravei.


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